terça-feira, 16 de março de 2021

Madeiras tradicionais do Rio Grande do Sul no envelhecimento de cachaças.

Grápia (Apuleia leiocarpa). Fonte: Viveiro Löf.
A produção de cachaças no Rio Grande do Sul é iniciada mais tarde em relação ao norte do país, o território gaúcho pelo Tratado de Tordesilhas (1494) era parte da Espanha e sua ocupação pelos portugueses de forma sistemática só acontece a partir de 1752 com a imigração açoriana. As primeiras canas e possivelmente pequenos alambiques vieram dos Açores e da Madeira, trazidas pelos irmãos portugueses Manoel e Antonio Nunes Benfica e por Domingos Fernandes Lima. O primeiro registro histórico da produção de cachaça no RS é de 1778 (em um documento de 1790) em um local denominado Nossa Senhora da Conceição do Arroio, na margem da Lagoa da Pinguela, no atual município de Osório.

Com a imigração alemã a partir de 1824 que aprendem com os açorianos o cultivo da cana, a cachaça ganha impulso e com outros derivados como o melado, o açúcar mascavo e rapaduras se torna fundamental na economia das novas colônias. É aqui que surge um problema de logística: onde armazenar quantidades grandes com segurança e eficiência? A solução foram dornas de madeiras nativas, pois este era o recurso disponível em enormes árvores da Mata Atlântica. Claro que na época não existiam dornas de inox e muito menos plásticos, portanto a fermentação também era feita em dornas de madeira. E os carvalhos estavam do outro lado do oceano...


Cabreúva (Miroxylon Peruiferum). Fonte: Sítio da Mata.


Mas... Quais madeiras? Será que é possível afirmar que algumas madeiras são mais características do RS por serem as primeiras utilizadas no armazenamento das cachaças do sul do continente? Óbvio que atualmente os produtores gaúchos utilizam todas as disponíveis, inclusive os carvalhos americanos e europeus. Mas em 1850 na Colônia São Pedro - atual município de Dom Pedro de Alcântara no litoral norte gaúcho - em que foram produzidos 632 tonéis de 500 litros, de que madeiras eram feitos estes tonéis? E que madeiras os imigrantes italianos utilizaram a partir de 1875 quando ocuparam principalmente as serras gaúchas?


Angico (Anadenanthera macrocarpa). Fonte: Sítio da Mata.


Nas matas nativas que cobriam as serras e os vales dos rios existiam árvores enormes que haviam já sido utilizadas na implantação da infra estrutura básica dos assentamentos, como casas de moradias, galpões e depósitos. E algumas destas árvores pareciam ter resistência e textura apropriadas para... fazer barris! Será que aquela garapeira ou grápia – Apuleia leiocarpa - pode ser usada pra guardar minha cachaça enquanto espero os tropeiros para levarem e distribuírem ao longo do passo das tropas? E aquela cabreúva – Miroxylom peruiferumcom cor avermelhada deve também dar um sabor bom! O angico – Anadenanthera macrocarpa – é forte e resistente, um pouco amargo e adstringente, mas depois eu coloco um tempo num tonel de grápia ou ipê – Handroanthus albus - para amaciar... Tem as cerejeiras ou amburanas nem tão resistentes, mas muito perfumadas também, acho que vai dar certo... E deu muito certo!


Fonte: Página da Prefeitura de Dom Pedro de Alcântara/RS. Foto: Vania Rodrigues.


Embora não existam documentos históricos que comprovem de forma inequívoca que foram estas as madeiras, há uma tradição muito forte do uso da grápia e da cabreúva no Rio Grande do Sul e alguns poucos produtores ainda possuem alguns tonéis de angico em suas adegas. A amburana também é uma madeira que sempre teve um uso intenso pelos produtores gaúchos. Outro fato que torna a grápia uma madeira bem típica é a cachaça Santa Martha, primeira marca gaúcha registrada em 1928, que sempre foi envelhecida nesta madeira e que continua sendo produzida pela Weber Haus.


Santa Martha, primeira marca registrada do RS em 1928. Foto: Ethylica

terça-feira, 2 de março de 2021

Nota Técnica do MAPA sobre a cachaça "artesanal" gaúcha.

Colheita para a produção de cachaça no RS. Foto - Anderson Schneider.

 A Secretaria de Defesa Agropecuária e o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, órgãos do Ministério da Agricultura – MAPA possivelmente emitirão em breve uma Nota Técnica que avaliará a legalidade da lei gaúcha 15.551/2020 que “Dispõe sobre a Cachaça Artesanal Gaúcha, estabelece requisitos e limites para a sua produção e comercialização, define diretrizes para o registro e a fiscalização do produtor e cria o Programa Estadual de Incentivo à Cachaça da Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul, o Selo da Cachaça da Agricultura Familiar e o Selo de Revenda da Cachaça Artesanal”.

A manifestação do MAPA responderá ao questionamento do Instituto Brasileiro da Cachaça – IBRAC em conjunto com a Associação dos Produtores de Cana-de-açúcar e seus Derivados do RS – Aprodecana sobre a legalidade desta legislação e as consequências e impactos negativos para todo o setor produtivo da cachaça, especialmente aos produtores registrados do Estado gaúcho.

A análise abordará a legislação brasileira que estabelece as diretrizes, as normas e regulamentos do licenciamento, fiscalização, produção, padronização, comercialização, responsabilidades fiscais, sanitárias e relacionadas à segurança alimentar das bebidas no território nacional. Possivelmente irá concluir que a legislação gaúcha é completamente desvinculada da nacional ignorando os padrões de produção, identidade e qualidade especificados para a cachaça, as instruções da Receita Federal e as responsabilidades atribuídas legalmente ao MAPA e seus órgãos de atuação e regulação do setor.


Cachaça "artesanal" gaúcha: esse produto existe?

A legislação gaúcha também avança em várias responsabilidades federais ao estabelecer o conceito de “artesanal” como uma denominação de identificação na rotulagem, mas esta expressão é vedada pela Instrução Normativa 13/2005 que trata especificamente das regras relacionadas com as cachaças e aguardentes. E também não há vinculação da informalidade da produção e comercialização com o conceito de produtos artesanais, sendo uma responsabilidade exclusiva do MAPA a regulamentação do uso desta expressão – Lei 8.918/1994, artigo 11º - quando vinculada com características específicas culturais ou tradicionais – Decreto 5.741/2006, artigo 7ºA.


A cachaça é uma Indicação Geográfica do Brasil.

A interpretação de que a legislação gaúcha permite a produção ou a comercialização de cachaças em estabelecimentos não inspecionados pelo MAPA e enquadrados na Instrução Normativa 72/2018, com “procedimentos simplificados” ou não registradas no Sistema Eletrônico Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários – Sipeagro é equivocada e a lei gaúcha não tem nenhuma legitimidade. Inclusive tem como consequência a desvinculação da produção gaúcha da Indicação Geográfica da cachaça reconhecida no Decreto 4.062/2001 como um produto do Brasil.