terça-feira, 6 de dezembro de 2022

A Cachaça e a Revolução Farroupilha.

Modelos de barris utilizados nas colônias gaúchas.
Fonte: Caprara: Luchese, 2005. Página 187.

Durante quase 10 anos, de 20 de setembro de 1835 a 28 de fevereiro de 1845 o Rio Grande do Sul se insurgiu contra o governo central brasileiro então representado pelo Império. No início os revoltosos pretendiam apenas substituir o governo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, principalmente o Presidente Antônio Rodrigues Fernandes Braga e o Comandante das Armas Marechal Sebastião Barreto Pereira Pinto que atacavam os liberais republicanos e não davam nenhuma importância às reivindicações de melhorias administrativas, econômicas, tributarias e sociais dos rio-grandenses.

Para os imperiais o Rio Grande do Sul era uma província que devia ficar subordinada ao papel de produtora de alimentos e matérias primas para consumo nos centros hegemônicos relacionados às economias mineradora e cafeeira do sudeste. Isso fazia com que as possibilidades de desenvolvimento ficassem subordinadas ao ritmo e lógica destes setores centrais. Ou seja, a economia gaúcha era periférica ao exercer um protagonismo de menor importância na geração e acumulação de riquezas da economia nacional. Estas condições levaram a revolta dos gaúchos que organizaram um exército revolucionário e passaram ao enfrentamento das tropas imperiais com grandes vitórias em diversas batalhas.

A insurgência dos Farroupilhas foi a mais longa das revoltas brasileiras e chegou a declarar a independência do território no dia 11 de setembro de 1836. Os revolucionários gaúchos eram Republicanos e consideravam os desmandos do governo imperial e provincial uma afronta às suas convicções políticas e seus interesses econômicos. A partir da independência a revolução interna transformou-se em uma guerra entre dois Estados, o Império do Brasil e a República Rio-Grandense.

O Governo Imperial estabelecia diversos tributos como 25% sobre o charque gaúcho enquanto cobrava 4% do importado, imposto de 250 réis por alqueire de sal que também era importado (1 alqueire = 40 litros, mais ou menos 32 quilos), cobrança sobre a compra de arreios, esporas e estribos, taxação da erva mate e da aguardente. Em 1835 a Assembleia Provincial aprovou como fontes de receitas o pagamento de dez mil réis sobre a légua quadrada dos campos nativos, taxação sobre o consumo de carne, imposto sobre os mascates estrangeiros, as tabernas e armazéns, taxas de passagens nos rios, imposto sobre as heranças e a renda, adicionais de 10% sobre a erva mate e de 20% sobre a aguardente de consumo (Lei provincial nº 4 de 27 de junho de 1835). Portanto, a cachaça produzida nas colônias de imigrantes açorianos e alemães e distribuída pelos tropeiros e carreteiros para os bolichos e pulperias ao longo dos passos das tropas e nas estâncias do Rio Grande do Sul possivelmente passou a ser taxada, inclusive ao cruzar os rios onde existiam postos de controle e cobrança.

Fato importante é que nesse período a cachaça e outros derivados da cana-de-açúcar estavam se tornando importantes moedas de troca das colônias alemãs e açorianas, principalmente com os tropeiros, para conseguirem ferramentas, sementes, tecidos, medicamentos, animais de tração, café, chocolate, sal, a própria erva mate e itens indispensáveis às colônias. Portanto, a cobrança de 10% sobre a erva mate e 20% sobre a cachaça teria um impacto significativo no comércio e nas trocas internas da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Também é importante lembrar que os impostos seriam pagos em moedas correntes do império que eram escassas e que possivelmente os colonos tinham pouco acesso, muitos usando a cachaça e outros derivados da cana como principais produtos nas suas negociações com as casas comerciais e trocas com os tropeiros.


Guerra dos Farrapos. Imagem internet, autoria não identificada.

Com a proclamação da República Rio-Grandense possivelmente as relações comerciais com o Império foram cortadas ou diminuídas drasticamente o que pode ter elevado o valor das aguardentes produzidas pelos alambiques das colônias e facilitado o uso principalmente da cachaça e rapaduras como moeda com os tropeiros e carreteiros que distribuíam para o interior do território gaúcho, nos bolichos, vendas e pulperias dos povoados tropeiros e nas estâncias onde podem ter sido consumidas inclusive pelos escravos gaúchos das charqueadas e outros modelos econômicos relacionados como a produção de couros.

Importante destacar que as colônias alemãs do Vale do Rio dos Sinos participaram ativamente da Revolução através das suas lideranças, o imperial Johann Daniel Hillebrand e o republicano Hermann von Salisch. Possivelmente nas colônias de Santa Cecília e Dom Pedro de Alcântara no litoral norte, grandes produtoras de derivados da cana, houvesse uma menor pressão dos exércitos e melhores condições de comércio com os tropeiros que atravessavam os Campos Gerais em Santa Catarina.

Portanto, entre os muitos motivos da revolta dos gaúchos, a cachaça também esteve como um dos motivadores da rebeldia dos Farroupilhas e certamente também presente entre os revolucionários aquecendo as noites das tropas insurgentes, dos carreteiros, dos tropeiros, dos mascates, dos escravos, peões e patrões das estâncias pampeanas, das serras e dos litorais no sul do mundo.

 

Barril (60 litros) utilizado pelos tropeiros para o transporte de cachaça.
Imagem feita por Antonio Silvio Hendges em Vale Vêneto/RS.

REFERÊNCIAS:

Miranda, Márcia Eckert. Artigo apresentado no III Congresso Brasileiro de História Econômica e IV Conferência Internacional de História de Empresas. O Sistema Tributário de Caráter Colonial Rio-Grandense. São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) – Centro de Ciências Econômicas.

Schmitt, Ânderson Marcelo. Guerra dos Farrapos (1835-1845): entre o fato histórico e suas apropriações. Esboços: histórias em contextos globais, vol 25, nº 40, pp. 358-377, 2018. Universidade Federal de Santa Catarina.

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