domingo, 25 de abril de 2021

A cachaça e a vida.

Albino Hendges com a esposa Regina e a família. Meu pai é o primeiro da direita.

Para os pequenos agricultores do Rio Grande do Sul a cana-de-açúcar sempre foi fundamental para a sobrevivência e a economia das famílias e comunidades.

O uso da cana para a nutrição dos animais e a produção familiar e artesanal dos seus derivados, inclusive da cachaça, era uma indispensável fonte de energia nos rigorosos invernos gaúchos de até -10ºC.

A extração do caldo para a produção de bebidas como a cachaça e alimentos como açúcar mascavo, melado e rapaduras era realizada em moendas de madeira movidas por tração animal, geralmente uma parelha de bois, mulas ou rodas d'água.

Uma das minhas primeiras lembranças é o meu avô Albino Hendges liderando a família na colheita e moagem da cana para a produção de melado e rapaduras. A moenda instalada em sua propriedade localizada no Passo da Laje, atual município de Ibirapuitã, além da família servia aos moradores locais que chegavam com carretas cheias de cana e utilizavam inclusive a estrutura de tachos e fornos no local para prepararem suas próprias reservas. Estes acontecimentos eram quase uma festa, uma integração familiar e social que às vezes reunia umas 40 pessoas. É claro que a cachaça estava presente e animava os mutirões, geralmente adquirida pela troca dos excedentes do consumo familiar com os pequenos comerciantes locais.

A cachaça na guampa era guardada na sombra e consumida nos intervalos para descanso dos mutirões. 

Estes mutirões aconteciam também em outras ocasiões como a colheita da erva mate, a preparação da terra, plantio e colheita dos vários produtos que eram cultivados nas pequenas e médias propriedades da região. E nunca faltava a cachaça que era enterrada no solo em uma sombra para resfriar. Outra forma de acondicionar a cachaça era em um chifre grande de gado bovino com o fundo e a tampa de madeiras como cabreúva, grápia, açoita-cavalo ou ipê que era chamada de "cachaça na guampa".

As moendas de madeira eram movidas por tração animal ou rodas d'água.

Com certeza estas lembranças motivaram minha identificação com a cachaça, a cana-de-açúcar e seus produtos, a agricultura familiar e orgânica, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e a liberdade. Foram muitas as atitudes e aventuras em que as lembranças do canavial, da moenda e da liderança familiar e comunitária do meu avô impulsionaram os passos, as decisões, as curiosidades e descobertas nas estradas da vida.

Antonio Silvio Hendges, escritor e sommelier.

 Adquirira o livro (Quase) Todos os Segredos das Cachaças Gaúchas. 

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