Albino Hendges com a esposa Regina e a família. Meu pai é o primeiro da direita. |
Para os pequenos agricultores do Rio Grande do Sul a cana-de-açúcar sempre foi fundamental para a sobrevivência e a economia das famílias e comunidades.
O uso da cana para a nutrição dos animais e a produção familiar e artesanal dos seus derivados, inclusive da cachaça, era uma indispensável fonte de energia nos rigorosos invernos gaúchos de até -10ºC.
A extração do caldo para a produção de bebidas como a cachaça e alimentos como açúcar mascavo, melado e rapaduras era realizada em moendas de madeira movidas por tração animal, geralmente uma parelha de bois, mulas ou rodas d'água.
Uma das minhas primeiras lembranças é o meu avô Albino Hendges liderando a família na colheita e moagem da cana para a produção de melado e rapaduras. A moenda instalada em sua propriedade localizada no Passo da Laje, atual município de Ibirapuitã, além da família servia aos moradores locais que chegavam com carretas puxadas por juntas de bois cheias de cana e utilizavam a estrutura de moenda, tachos e fornos no local para prepararem suas próprias reservas. Estes acontecimentos eram quase uma festa, uma integração familiar e social que às vezes reunia umas 40 pessoas.
Esse melado e rapaduras eram armazenados em barris e caixas de madeira que transmitiam um sabor muito especial, possivelmente barris de grápia ou cabreúva, árvores bem típicas das florestas da região.
Barril de aproximadamente 100 litros feito em 1911. |
É claro que a cachaça estava presente e animava os mutirões, geralmente adquirida pela troca dos excedentes da agricultura e consumo familiar com os pequenos comerciantes das bodegas e bolichos: o Seu Orides e a Dona Vilma no Bom Sossego, o Valdemar Picinini no Passo da Laje, a bodega e o moinho dos Garcia no Quebra Dentes, o moinho dos Padilhas nas margem do Rio Porongos, o Bertol e o Portela na *Sédia.
Algumas marcas de cachaças da época eram Camponesa, Vila Velha, Tatuzinho, Tremapé, 7 Campos de Piracicaba e 3 Fazendas. Também adquiriam garrafões de vidro com 5 litros mas não sei de onde vinham, possivelmente de algum alambique pra os lados de Passo Fundo...
*Assim era denominado pelos habitantes das comunidades locais - Bom Sossego, Linha São João, Passo da Laje, Os Mânicas, Encruzilhada do Rio Povinho, Quebra Dentes, Santa Terezinha, Mato Alto, Tope (atual município de Nicolau Vergueiro) e outras menores - a sede do então 9º Distrito de Soledade e atual município de Ibirapuitã emancipado em 1987.
A cachaça na guampa era guardada na sombra e consumida nos intervalos para descanso dos mutirões. |
Estes mutirões aconteciam também em outras ocasiões como a colheita da erva mate, a preparação da terra, plantio e colheita dos vários produtos que eram cultivados nas pequenas e médias propriedades da região. E nunca faltava a cachaça que era enterrada no solo em uma sombra para resfriar. Outra forma de acondicionar a cachaça era em um chifre grande de gado bovino com o fundo e a tampa de madeiras como cabreúva, grápia, açoita-cavalo ou ipê que era chamada de "cachaça na guampa".
As moendas de madeira eram movidas por tração animal ou rodas d'água. Essa era movida por 1 junta de bois. |
Com certeza estas lembranças motivaram minha identificação com a cachaça, a cana-de-açúcar e seus produtos, a agricultura familiar e orgânica, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e a liberdade. Foram muitas as atitudes e aventuras em que as lembranças do canavial, da moenda e da liderança familiar e comunitária do meu avô impulsionaram os passos, as decisões, as curiosidades e descobertas nas estradas da vida.
Cachaça 100% Brasil
Antonio Silvio Hendges, escritor e sommelier. |
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