segunda-feira, 10 de abril de 2017

Cachaça, sabor de História.

Foto: Almanaque Cultural Brasileiro
O fato reconhecido de que a cachaça é uma bebida genuinamente brasileira e que há quinhentos anos faz parte das nossas culturas e tradições já é suficiente para demonstrar a importância que possui na identidade nacional. Mais que uma bebida para alegrar e aquecer os dias, noites e invernos das serras, campos, florestas, sertões e mares brasileiros, a cachaça participou ativamente como protagonista ao lado de muitos personagens e heróis, reconhecidos ou anônimos, que fizeram e continuam fazendo a nossa História.

O anônimo que no outro lado do Oceano Atlântico embarcou um alambique que destilou pela primeira vez o caldo da cana-de-açúcar em nosso território, é um herói nacional. Deveriam ter estátuas nas praças para este nosso antepassado desconhecido. Um personagem mais importante que muitos reconhecidos, mudou a nossa História, imaginem o Brasil sem cachaça...!

E quantas dores, traumas e feridas do corpo e da alma foram amenizadas, combatidas e às vezes vencidas com alguns tragos, infusões, misturas, inalações e massagens quando o único remédio disponível fosse para a sabedoria popular ou a medicina tradicional era a Aguardente da Terra, primeiro nome da cachaça, receitada durante séculos para várias doenças como sarampo, gripes e mesmo a varíola, uma doença muito grave, temida e letal. 

A nossa caipirinha nasceu para combater a Gripe Espanhola em 1918 e era feita com cachaça, limão e mel. Esta é a versão mais aceita porque outras dizem que foi criada pelos fazendeiros paulistas e era servida nas festas da grã-finagem como alternativa aos uísques e vinhos importados... ou pelos marinheiros que passavam pelo Rio de Janeiro e misturavam limão na cachaça para combater o escorbuto. Há ainda uma quarta versão que afirma que foi criada em Parati no RJ para combater o cansaço e a malária dos trabalhadores que faziam a Estrada Real... Cachaça também é lenda!

E quando foi proibida sua produção em 1647 para proteger os vinhos e a aguardente portuguesa conhecida como bagaceira, sua destilação continuou clandestina nos engenhos e mesmo com o decreto de destruição dos alambiques da colônia e navios de transporte em 1659, ela resistiu e estimulou a Revolta da Cachaça em 1660 no Rio de Janeiro, contra os impostos cobrados localmente e a sua proibição no resto do país. Mesmo que sua produção tenha sido liberada somente em 1695, nunca se deixou de produzir e consumir cachaça no Brasil Colônia. “O comércio local... continuava vedado, mas a repressão era nula, contando até com a participação das autoridades, João da Silva e Souza que governou o Rio de 1670 a 75, era o principal contrabandista”. Wikipedia.

Autoria não identificada. Nenhuma intenção de violar direitos autorais.

E as rebeldias e lutas por liberdade dos escravos eram também estimuladas pela cachaça que certamente continuava sendo produzida ou contrabandeada em alguns quilombos mais estáveis, incentivando a resistência aos capitães do mato em suas incursões. Que por sua vez também tomavam cachaça como estimulante.

Com a expulsão dos Jesuítas em 1759, até então responsáveis pela educação no país foi o “Subsídio Literário” de 1.500 réis para cada 30 litros de cachaça que garantiu parte dos recursos para a implantação das instituições públicas de ensino, imposto cobrado até 1831. Na Inconfidência Mineira em 1789, a cachaça foi símbolo que unificava os revoltosos que a consumiam em suas reuniões secretas e conta-se que Tiradentes antes da execução pediu para tomar um trago, um ato cheio de simbolismo que continuou justificando as lutas pela independência e pela liberdade do nosso país.

Em 1910, na Revolta da Chibata em que o “Almirante Negro”, o marinheiro gaúcho João Cândido liderou os amotinados, a cachaça foi rainha dos rebeldes que se solidarizaram com o colega Marcelino Rodrigues, condenado a 250 chibatadas, dez vezes mais que a condenação máxima, por tentar embarcar com duas garrafas de cachaça e não aceitar o confisco destas, ferir um cabo e ser preso em argolas de ferro. Foi demais: “Glória aos piratas, às mulatas, às sereias. Glória à farofa, à cachaça, às baleias. Glória a todas as lutas inglórias que através da nossa história não esquecemos jamais.” Aldir Blanc.

Também os tropeiros que a transportavam e distribuíam (e certamente consumiam) ao longo das estradas e passos das tropas, foram fundamentais para a construção da identidade nacional da nossa cachaça, para a unidade do nosso território e a afirmação de muitas das nossas especificidades culturais.

E precisam ser lembrados os imigrantes alemães, italianos e poloneses no sul do Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, que aproveitaram a produção local de cana já implantada pelos açorianos e de forma praticamente autônoma começaram a destilar a cachaça, originando atualmente produtos de qualidade superior e com personalidade própria, marcas diversificadas, reconhecidas e premiadas internacionalmente.

Por isso, quando se bebe cachaça presta-se uma homenagem ao nosso povo, nossos costumes, culturas e formas de viver do nosso país. Beber cachaça é valorizar nossa História, tradições, festas populares, culinária e tudo aquilo que é exclusivo deste povo miscigenado que tem na cachaça uma das principais fontes de sua identidade comum.


Escolha a sua cachaça preferida:


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