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Foto - Internet, autor desconhecido. |
A
cachaça é a bebida destilada mais antiga das Américas, surgiu em algum lugar do
litoral brasileiro em um engenho de açúcar de cana entre 1516 e 1532. Os locais
mais prováveis do seu “registro de nascimento” é São Vicente/SP, Itamaracá/PE
ou Porto Seguro/BA, mas não há certeza sobre sua origem exata. É uma bebida
reconhecida mundialmente como de origem brasileira e protegida legalmente em
sua padronização, classificação, registro, inspeção, produção e fiscalização.
Decreto
6.871/2009, artigo 53: "Cachaça é a denominação típica e exclusiva da
aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e
oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius,
obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana de açúcar, com
características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até
seis gramas por litro". Quando ultrapassar os limites alcoólicos
estabelecidos neste decreto ou existir mistura com outros componentes é
denominada aguardente e se forem adicionadas mais de seis gramas de açúcar por
litro é adoçada.
Atualmente
é um produto fundamental para a economia do país, com aproximadamente quarenta
mil produtores, quatro mil e quinhentas marcas e mais de seiscentos mil empregos
em sua cadeia de produção, responsável por 87% das vendas de bebidas destiladas
no Brasil.
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Foto - Internet, autor desconhecido. |
A
produção de cachaça possui aspectos ambientais em seu ciclo de vida que
originam impactos que se não forem identificados e tomados os cuidados
necessários trazem problemas à saúde ambiental e dos consumidores. Mas todos
estes impactos são perfeitamente controláveis uma vez identificados e adequados
os sistemas de produção em suas diversas fases: preparo dos solos, plantio,
tratos culturais, colheita e transporte, processamento e moagem, filtração e
decantação, fermentação, destilação, armazenamento e envelhecimento,
engarrafamento e distribuição. Seguem-se alguns dos principais impactos e as
ações para a sua mitigação e controle.
Preparo dos solos e plantio – Um
preparo inadequado, que não considere, por exemplo, as características físicas
e topográficas podem ocasionar problemas como a erosão e assoreamento de corpos
de águas, compactação com o trânsito inadequado de equipamentos agrícolas, degradação
da estrutura e desertificação. O uso de fertilizantes e defensivos agrícolas é
parte do modelo de produção da cana de açúcar (exceção das plantações orgânicas
que abordaremos em outro artigo) e podem impactar o ambiente e a saúde humana
negativamente se não forem observados os cuidados necessários na preparação e
manejo dos solos para o plantio e cultivo, ocorrendo a sua perda para o
ambiente e a consequente contaminação, principalmente dos recursos hídricos e
da biodiversidade.
Tratos culturais – O uso de agrotóxicos
nos canaviais é um dos principais impactos durante esta fase. As interferências
nas cadeias ecológicas e na saúde humana geralmente são ocasionadas pela
contaminação dos recursos hídricos, inclusive subterrâneos com a infiltração
nas camadas inferiores do solo. O uso da vinhaça, um resíduo orgânico da
destilação como fertilizante, embora tenha efeitos benéficos sobre o solo e a
produção, por ser um poluente muito ácido e corrosivo, também pode contribuir
para a acidificação deste, infiltrar-se nos lençóis freáticos, contaminar as
águas subterrâneas, nascentes e rios.
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Colheita da cana em Santa Tereza/RS. Foto - Antonio Silvio. |
Colheita e transporte – A colheita da
cana é realizada com maquinas ou manualmente, dependendo da quantidade e do
modelo de manejo. Para a produção de cachaça, a cana é colhida madura e não é
utilizada a queima no processo para que não alterar a qualidade da matéria
prima. O principal impacto nesta fase são os combustíveis fósseis utilizados
nas máquinas de corte, no carregamento e nos caminhões utilizados no
transporte. A palha resultante da limpeza dos colmos e as pontas, descartadas
por possuírem pouco açúcar e prejudicar a fermentação, são geralmente
utilizadas na compostagem e adubação ou na alimentação animal, ou deixadas como
cobertura do solo para protegê-lo contra a erosão.
Processamento e moagem – Nesta fase, os
aspectos ambientais estão relacionados com a produção de bagaço resultante da
moagem dos colmos para a extração do suco e aos efluentes de lavagem da cana e
dos equipamentos. Entre os efluentes, é necessário atenção ao óleo resultante
da manutenção e lubrificação da moenda que deve ser separado da água e
encaminhado para reciclagem. O bagaço, geralmente é utilizado nas caldeiras dos
alambiques para aquecimento ou compostado para adubação, as águas resultantes
das lavagens são encaminhadas para estações de tratamento e devolvidas limpas
ao ambiente.
Filtração e decantação – Quando sai da
moenda o caldo contém impurezas que são retiradas através de filtração e
posterior decantação. Os efluentes gerados são da limpeza dos filtros, dos
tanques de decantação e das tubulações. Este material é de impacto muito
pequeno e pode ser compostado facilmente.
Fermentação – O mosto, caldo de cana
que recebe a adição de fermento que transforma os açúcares em álcool, dióxido
de carbono e diversos componentes secundários que determinam as características
organolépticas da cachaça. Após a sua
fermentação completa é denominado vinho. É este vinho que é destilado para
originar a cachaça. Nesta fase os principais efluentes são ocasionalmente mosto
não fermentado por problemas durante o processo e as águas provenientes da
lavagem das dornas, que são encaminhadas para estações de tratamento e
devolvidas limpas ao ambiente.
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Foto - Pedro Paiva, Destilaria Alba, Monte Belo do Sul/RS. |
Destilação – Nesta fase são gerados os
resíduos com mais impactos ambientais se não forem tomados os cuidados
adequados. A combustão gera CO2 e partículas com compostos orgânicos, sulfatos,
nitratos, aminoácidos, metais e outros poluentes que precisam da instalação de
filtros. Estas cinzas podem ser usadas como fertilizantes e na correção do PH
dos solos. As águas utilizadas no
resfriamento também precisam de cuidados para não alterar a temperatura dos
cursos de águas onde são descartadas. As frações separadas durante a
destilação, a cabeça que corresponde de 5% a 10% e a cauda entre 10% a 15%
precisam de tratamentos tecnológicos adequados. Podem ser utilizadas na
produção de etanol combustível com adaptações adequadas nas destilarias ou como
fertilizantes.
A
vinhaça ou vinhoto que resta da destilação é um dos maiores problemas da produção:
para cada litro de cachaça são produzidos seis a oito litros deste produto, que
possui um potencial poluente significativo, acidez e corrosividade, alta
demanda bioquímica de oxigênio e temperatura elevada ao sair dos destiladores.
Mas este produto também apresenta um alto valor fertilizante, além de ser usado
como suplementação na alimentação de animais.
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Barris da Weber Haus, Ivoti/RS. |
Armazenamento e envelhecimento – Além
dos recipientes de aço inoxidável para as cachaças prata, muitas outras
madeiras, aproximadamente trinta espécies, são utilizadas para o armazenamento,
envelhecimento e melhoria das qualidades da cachaça. Madeiras como o bálsamo,
carvalho (americano ou europeu), castanheira, ipê e umburana transmitem aromas,
cores e sabores específicos, enquanto outras são mais neutras como o amendoim
do campo, freijó e jequitibá. Nesta fase, o maior problema está na origem das
madeiras nobres utilizadas na fabricação dos tonéis, oriundas da Mata Atlântica
ou da Amazônia, geralmente são árvores de crescimento demorado, restritas a
remanescentes florestais e nichos ecológicos específicos e controladas
legalmente. Este inclusive é um dos problemas que se apresentam no horizonte da
cachaça: o desenvolvimento de uma tanoaria brasileira sustentável,
ambientalmente responsável e certificada.
Engarrafamento e distribuição – Os
aspectos ambientais estão relacionados com os da produção de embalagens, a
limpeza e esterilização destas e resíduos como tampas, rótulos, cacos de vidro
e outros. A distribuição, realizada através de transporte rodoviário gera gases
de efeito estufa como o CO2, mas a produção de cana também absorve estes gases
durante o crescimento. Um aspecto importante é a logística reversa das
embalagens pós consumo para destinação ambientalmente adequada. Neste aspecto,
somente as cachaças industriais, com grandes produções e vendas possuem
sistemas eficientes de logística reversa e reuso das embalagens. Evidentemente
que um dos limitadores para a sua adoção e desenvolvimento como uma prática
usual na produção das cachaças de alambique é a questão econômica, visto os
volumes serem muito menores que na produção industrial.
Conclusões – Como todo produto e
atividade humana, a cachaça também possui aspectos socioambientais que precisam
de atenção e responsabilidade. O consumo de cachaças com registro no Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA contribui para a amenização
destes aspectos: os produtores cumprem as diretrizes dos órgãos ambientais dos
seus respectivos estados e municípios e recebem fiscalização de diversos
órgãos, inclusive do MAPA. O consumo de cachaças certificadas como orgânicas,
que em todas as etapas do ciclo de vida são monitorados os aspectos ambientais
também é uma importante forma dos consumidores apreciarem a nossa bebida típica
com responsabilidade ambiental e social.
Referências:
- Identificação de Aspectos Ambientais e de Oportunidades
para Melhorias no Processo de Produção de Cachaças Artesanais. Daniel Bertoli
Gonçalves, professor na Universidade de Sorocaba, PDF.
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