A produção de cachaças no Rio Grande do Sul é iniciada mais
tarde em relação ao norte do país, o território gaúcho pelo Tratado de
Tordesilhas (1494) era parte da Espanha e sua ocupação pelos portugueses de
forma sistemática só acontece a partir de 1752 com a imigração açoriana. As
primeiras canas e possivelmente pequenos alambiques vieram dos Açores e da
Madeira, trazidas pelos irmãos portugueses Manoel e Antonio Nunes Benfica e por
Domingos Fernandes Lima.
O primeiro registro histórico da produção de cachaça
no RS é de 1778 (em um documento de 1790) em um local denominado Nossa Senhora
da Conceição do Arroio, na margem da Lagoa da Pinguela,
no atual município de
Osório.
Com a imigração alemã a partir de 1824 que aprendem com os
açorianos o cultivo da cana, a cachaça ganha impulso e com outros derivados
como o melado, o açúcar mascavo e rapaduras se torna fundamental na economia
das novas colônias. É aqui que surge um problema de logística: onde armazenar quantidades
grandes com segurança e eficiência? A solução foram dornas de madeiras nativas,
pois este era o recurso disponível em enormes árvores da Mata Atlântica. Claro
que na época não existiam dornas de inox e muito menos plásticos, portanto a
fermentação também era feita em dornas de madeira. E os carvalhos estavam do
outro lado do oceano...
Mas... Quais madeiras? Será que é possível afirmar que
algumas madeiras são mais características do RS por serem as primeiras
utilizadas no armazenamento das cachaças do sul do continente? Óbvio que
atualmente os produtores gaúchos utilizam todas as disponíveis, inclusive os
carvalhos americanos e europeus. Mas em 1850 na Colônia São Pedro - atual
município de Dom Pedro de Alcântara no litoral norte gaúcho - em que foram
produzidos 632 tonéis de 500
litros, de que madeiras eram feitos estes tonéis? E que
madeiras os imigrantes italianos utilizaram a partir de 1875 quando ocuparam principalmente
as serras gaúchas?
Nas matas nativas que cobriam as serras e os vales dos rios
existiam árvores enormes que haviam já sido utilizadas na implantação da infra
estrutura básica dos assentamentos, como casas de moradias, galpões e
depósitos. E algumas destas árvores pareciam ter resistência e textura
apropriadas para... fazer barris! Será que aquela garapeira ou grápia – Apuleia leiocarpa - pode ser usada pra
guardar minha cachaça enquanto espero os tropeiros para levarem e distribuírem
ao longo do passo das tropas? E aquela cabreúva – Miroxylom peruiferum – com cor avermelhada deve também dar
um sabor bom! O angico – Anadenanthera macrocarpa – é forte e resistente, um pouco amargo e adstringente, mas
depois eu coloco um tempo num tonel de grápia ou ipê – Handroanthus albus - para amaciar... Tem as cerejeiras ou amburanas
nem tão resistentes, mas muito perfumadas também, acho que vai dar certo... E
deu muito certo!
|
Fonte: Página da Prefeitura de Dom Pedro de Alcântara/RS. Foto: Vania Rodrigues. |
Embora não existam documentos históricos que comprovem de
forma inequívoca que foram estas as madeiras, há uma tradição muito forte do
uso da grápia e da cabreúva no Rio Grande do Sul e alguns poucos produtores
ainda possuem alguns tonéis de angico em suas adegas. A amburana também é uma
madeira que sempre teve um uso intenso pelos produtores gaúchos. Outro fato que
torna a grápia uma madeira bem típica é a cachaça Santa Martha, primeira marca
gaúcha registrada em 1928, que sempre foi envelhecida nesta madeira e que
continua sendo produzida pela Weber Haus.
|
Santa Martha, primeira marca registrada do RS em 1928. Foto: Ethylica |