sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Cachaças orgânicas.

A produção de cachaças de alambique possui aspectos ambientais relevantes em suas diversas etapas, desde a preparação dos solos para o plantio e cultivo da cana de açúcar, tratos culturais, processamento e extração do suco, fermentação do mosto, destilação, armazenamento, envase e distribuição. Os impactos ambientais desta cadeia produtiva são significativos e a produção de cachaças orgânicas tem como objetivo amenizá-los, fornecendo aos consumidores produtos ambientalmente e socialmente saudáveis, que integram os aspectos ambientais da produção com os cuidados essenciais com os solos, águas, biodiversidade, emissões atmosféricas, responsabilidade social e conformidades legais.

Para serem consideradas orgânicas, as cachaças precisam ir além da ausência de agrotóxicos e de adubos industriais nas plantações de cana. É indispensável atenção com a preparação dos solos para evitar-se a erosão e assoreamento de corpos de água adjacentes, cuidados com a colheita, não se admitindo em hipótese alguma o uso do fogo para facilitar esta etapa, destinação adequada do bagaço resultante da moagem, geralmente utilizado para aquecimento das caldeiras ou compostagem, tratamento das águas residuais, destinação adequada das frações de cabeça e cauda resultantes da destilação e do vinhoto ou vinhaça, um produto ácido e corrosivo, com uma alta demanda bioquímica de oxigênio, mas que pode ser utilizado como fertilizante ou na suplementação da alimentação de animais. As águas utilizadas no resfriamento não podem alterar a temperatura ou o PH dos cursos em que são descartadas.

Canavial orgânico da Weber Haus em Ivoti/RS.

A destilação também gera gases atmosféricos como o dióxido de carbono – CO2, nitratos, sulfatos, aminoácidos, metais e materiais particulados que requerem a instalação de filtros adequados, além da destinação ambientalmente correta das cinzas, utilizadas nas plantações como alcalinizantes dos solos, corrigindo o PH destes.

A conformidade dos alambiques com a legislação ambiental é fator determinante para a certificação dos produtos. Por exemplo, as propriedades em que estão os canaviais devem estar adequadas ao Cadastro Ambiental Rural – CAR e cumprirem as determinações para as áreas de preservação permanentes, reservas legais, preservação de fontes e cursos de água, assim como de outras legislações aplicáveis. A responsabilidade social também é avaliada, como a ausência de trabalho escravo, infantil ou degradante durante o ciclo de produção.


Para conseguir a certificação como cachaça orgânica, há três possibilidades: Certificação por Auditoria, Certificação Participativa e a certificação por Organização de Controle Social.

Certificação por Auditoria – Contrata-se uma instituição independente para fazer a avaliação, orientação e certificação da produção como orgânica. Esta instituição deve garantir a conformidade da produção atualizando os produtores em relação à legislação vigente e para adequarem-se às regulamentações aplicáveis. Geralmente é utilizada por produtores com volumes significativos e que não estão associados em sistemas participativos. São exemplos de certificadoras orgânicas o IBD e Ecocert.

Certificação Participativa – Desde 2007 esta certificação permite que os produtores comercializem diretamente com os consumidores, mercados, restaurantes, pontos de distribuição e venda a sua produção orgânica. Neste sistema, os produtores atuam como parceiros e autocontrolam mutuamente todas as etapas envolvidas, desde o plantio, cultivo, colheita, armazenamento, distribuição e comercialização. É formado um Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade – Opac, como pessoa jurídica e que corresponde à certificadora por auditoria dos membros do sistema. Este sistema é bastante utilizado no sul do Brasil e no RS a maioria das cachaças orgânicas é por Certificação Participativa. Um exemplo de certificadora participativa é a Ecovida.

Certificação por Organização de Controle SocialProdutores orgânicos, geralmente familiares, comercializam em feiras ou nas propriedades os excedentes para pequenos mercados ou para o consumidor diretamente. Apesar de não ter um selo específico, os pequenos produtores também devem comprovar que os produtos são orgânicos. Devem ser registrados no Ministério da Agricultura e abrir a propriedade para que inspetores e consumidores verifiquem a produção. No RS, o selo Sabor Gaúcho identifica estes produtores orgânicos. No caso da cachaça esta modalidade é pouco utilizada.


Referências:
- Cachaça Orgânica?! E pode? Palestra no Congresso Nacional da Cachaça – CONCACHAÇA. Otto Barreto, produtor das cachaças orgânicas Sanhaçu.

- Rede Ecovida e a certificação participativa. Entrevista com Laércio Meirelles, agrônomo e produtor orgânico. Disponível em: http://www.organicsnet.com.br/2012/06/rede-ecovida-e-a-certificacao-participativa/. Acesso em 21 fev. 2017.

- Visitas em alambiques, áreas de produção de cana de açúcar e de cachaças orgânicas, especialmente no Estado do RS.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Aspectos ambientais da cachaça.

Foto - Internet, autor desconhecido.
A cachaça é a bebida destilada mais antiga das Américas, surgiu em algum lugar do litoral brasileiro em um engenho de açúcar de cana entre 1516 e 1532. Os locais mais prováveis do seu “registro de nascimento” é São Vicente/SP, Itamaracá/PE ou Porto Seguro/BA, mas não há certeza sobre sua origem exata. É uma bebida reconhecida mundialmente como de origem brasileira e protegida legalmente em sua padronização, classificação, registro, inspeção, produção e fiscalização.

Decreto 6.871/2009, artigo 53: "Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana de açúcar, com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro". Quando ultrapassar os limites alcoólicos estabelecidos neste decreto ou existir mistura com outros componentes é denominada aguardente e se forem adicionadas mais de seis gramas de açúcar por litro é adoçada.

Atualmente é um produto fundamental para a economia do país, com aproximadamente quarenta mil produtores, quatro mil e quinhentas marcas e mais de seiscentos mil empregos em sua cadeia de produção, responsável por 87% das vendas de bebidas destiladas no Brasil.

Foto - Internet, autor desconhecido.
A produção de cachaça possui aspectos ambientais em seu ciclo de vida que originam impactos que se não forem identificados e tomados os cuidados necessários trazem problemas à saúde ambiental e dos consumidores. Mas todos estes impactos são perfeitamente controláveis uma vez identificados e adequados os sistemas de produção em suas diversas fases: preparo dos solos, plantio, tratos culturais, colheita e transporte, processamento e moagem, filtração e decantação, fermentação, destilação, armazenamento e envelhecimento, engarrafamento e distribuição. Seguem-se alguns dos principais impactos e as ações para a sua mitigação e controle.

Preparo dos solos e plantio Um preparo inadequado, que não considere, por exemplo, as características físicas e topográficas podem ocasionar problemas como a erosão e assoreamento de corpos de águas, compactação com o trânsito inadequado de equipamentos agrícolas, degradação da estrutura e desertificação. O uso de fertilizantes e defensivos agrícolas é parte do modelo de produção da cana de açúcar (exceção das plantações orgânicas que abordaremos em outro artigo) e podem impactar o ambiente e a saúde humana negativamente se não forem observados os cuidados necessários na preparação e manejo dos solos para o plantio e cultivo, ocorrendo a sua perda para o ambiente e a consequente contaminação, principalmente dos recursos hídricos e da biodiversidade.

Tratos culturais O uso de agrotóxicos nos canaviais é um dos principais impactos durante esta fase. As interferências nas cadeias ecológicas e na saúde humana geralmente são ocasionadas pela contaminação dos recursos hídricos, inclusive subterrâneos com a infiltração nas camadas inferiores do solo. O uso da vinhaça, um resíduo orgânico da destilação como fertilizante, embora tenha efeitos benéficos sobre o solo e a produção, por ser um poluente muito ácido e corrosivo, também pode contribuir para a acidificação deste, infiltrar-se nos lençóis freáticos, contaminar as águas subterrâneas, nascentes e rios.

Colheita da cana em Santa Tereza/RS. Foto - Antonio Silvio.
Colheita e transporte A colheita da cana é realizada com maquinas ou manualmente, dependendo da quantidade e do modelo de manejo. Para a produção de cachaça, a cana é colhida madura e não é utilizada a queima no processo para que não alterar a qualidade da matéria prima. O principal impacto nesta fase são os combustíveis fósseis utilizados nas máquinas de corte, no carregamento e nos caminhões utilizados no transporte. A palha resultante da limpeza dos colmos e as pontas, descartadas por possuírem pouco açúcar e prejudicar a fermentação, são geralmente utilizadas na compostagem e adubação ou na alimentação animal, ou deixadas como cobertura do solo para protegê-lo contra a erosão.

Processamento e moagem Nesta fase, os aspectos ambientais estão relacionados com a produção de bagaço resultante da moagem dos colmos para a extração do suco e aos efluentes de lavagem da cana e dos equipamentos. Entre os efluentes, é necessário atenção ao óleo resultante da manutenção e lubrificação da moenda que deve ser separado da água e encaminhado para reciclagem. O bagaço, geralmente é utilizado nas caldeiras dos alambiques para aquecimento ou compostado para adubação, as águas resultantes das lavagens são encaminhadas para estações de tratamento e devolvidas limpas ao ambiente.

Filtração e decantação Quando sai da moenda o caldo contém impurezas que são retiradas através de filtração e posterior decantação. Os efluentes gerados são da limpeza dos filtros, dos tanques de decantação e das tubulações. Este material é de impacto muito pequeno e pode ser compostado facilmente.

Fermentação O mosto, caldo de cana que recebe a adição de fermento que transforma os açúcares em álcool, dióxido de carbono e diversos componentes secundários que determinam as características organolépticas da cachaça.  Após a sua fermentação completa é denominado vinho. É este vinho que é destilado para originar a cachaça. Nesta fase os principais efluentes são ocasionalmente mosto não fermentado por problemas durante o processo e as águas provenientes da lavagem das dornas, que são encaminhadas para estações de tratamento e devolvidas limpas ao ambiente.

Foto - Pedro Paiva, Destilaria Alba, Monte Belo do Sul/RS.
Destilação Nesta fase são gerados os resíduos com mais impactos ambientais se não forem tomados os cuidados adequados. A combustão gera CO2 e partículas com compostos orgânicos, sulfatos, nitratos, aminoácidos, metais e outros poluentes que precisam da instalação de filtros. Estas cinzas podem ser usadas como fertilizantes e na correção do PH dos solos.  As águas utilizadas no resfriamento também precisam de cuidados para não alterar a temperatura dos cursos de águas onde são descartadas. As frações separadas durante a destilação, a cabeça que corresponde de 5% a 10% e a cauda entre 10% a 15% precisam de tratamentos tecnológicos adequados. Podem ser utilizadas na produção de etanol combustível com adaptações adequadas nas destilarias ou como fertilizantes.

A vinhaça ou vinhoto que resta da destilação é um dos maiores problemas da produção: para cada litro de cachaça são produzidos seis a oito litros deste produto, que possui um potencial poluente significativo, acidez e corrosividade, alta demanda bioquímica de oxigênio e temperatura elevada ao sair dos destiladores. Mas este produto também apresenta um alto valor fertilizante, além de ser usado como suplementação na alimentação de animais.

Barris da Weber Haus, Ivoti/RS.
Armazenamento e envelhecimento
Além dos recipientes de aço inoxidável para as cachaças prata, muitas outras madeiras, aproximadamente trinta espécies, são utilizadas para o armazenamento, envelhecimento e melhoria das qualidades da cachaça. Madeiras como o bálsamo, carvalho (americano ou europeu), castanheira, ipê e umburana transmitem aromas, cores e sabores específicos, enquanto outras são mais neutras como o amendoim do campo, freijó e jequitibá. Nesta fase, o maior problema está na origem das madeiras nobres utilizadas na fabricação dos tonéis, oriundas da Mata Atlântica ou da Amazônia, geralmente são árvores de crescimento demorado, restritas a remanescentes florestais e nichos ecológicos específicos e controladas legalmente. Este inclusive é um dos problemas que se apresentam no horizonte da cachaça: o desenvolvimento de uma tanoaria brasileira sustentável, ambientalmente responsável e certificada.


Engarrafamento e distribuição Os aspectos ambientais estão relacionados com os da produção de embalagens, a limpeza e esterilização destas e resíduos como tampas, rótulos, cacos de vidro e outros. A distribuição, realizada através de transporte rodoviário gera gases de efeito estufa como o CO2, mas a produção de cana também absorve estes gases durante o crescimento. Um aspecto importante é a logística reversa das embalagens pós consumo para destinação ambientalmente adequada. Neste aspecto, somente as cachaças industriais, com grandes produções e vendas possuem sistemas eficientes de logística reversa e reuso das embalagens. Evidentemente que um dos limitadores para a sua adoção e desenvolvimento como uma prática usual na produção das cachaças de alambique é a questão econômica, visto os volumes serem muito menores que na produção industrial.

Conclusões Como todo produto e atividade humana, a cachaça também possui aspectos socioambientais que precisam de atenção e responsabilidade. O consumo de cachaças com registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA contribui para a amenização destes aspectos: os produtores cumprem as diretrizes dos órgãos ambientais dos seus respectivos estados e municípios e recebem fiscalização de diversos órgãos, inclusive do MAPA. O consumo de cachaças certificadas como orgânicas, que em todas as etapas do ciclo de vida são monitorados os aspectos ambientais também é uma importante forma dos consumidores apreciarem a nossa bebida típica com responsabilidade ambiental e social.

Referências:

- Identificação de Aspectos Ambientais e de Oportunidades para Melhorias no Processo de Produção de Cachaças Artesanais. Daniel Bertoli Gonçalves, professor na Universidade de Sorocaba, PDF.